terça-feira, 11 de novembro de 2008

Tiques autoritários, diz Manuel Alegre...


Com a devida vénia e sem comentários, publicamos o Editorial da revista ops! (revista de opinião socialista) escrito pelo poeta e deputado Manuel Alegre:


O lançamento do número 2 da revista ops!, dedicado à educação, ocorre depois de factos que não podem deixar de ser salientados: a eleição de Obama, que foi uma reafirmação da vitalidade da democracia americana, e que constitui em si mesma uma grande esperança para os Estados Unidos e o mundo; a manifestação que reuniu em Lisboa mais de cem mil professores em protesto contra o sistema de avaliação imposto pelo ministério; o alerta de 15 antigos reitores em carta enviado ao Presidente da República e ao Primeiro Ministro na qual alertam para o risco de ruptura financeira nas Universidades. E a resposta do ministro do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), de que nas universidades há maus gestores.

Se a eleição de Obama é um facto de mudança, devemos ter consciência de que, num país como o nosso, o que faz mudar é a formação das pessoas, a educação, a cultura, a comunicação, a produção e divulgação científica, a inovação tecnológica e social. Tal não é viável num clima de tensão permanente entre o Ministério da Educação e os Professores, nem num ambiente de incompreensão entre o MCTES e as universidades.

Confesso que me chocou profundamente a inflexibilidade da Ministra e o modo como se referiu à manifestação, por ela considerada como forma de intimidação ou chantagem, numa linguagem imprópria de um titular da pasta da educação e incompatível com uma cultura democrática.

Confesso ainda que, tendo nascido em 1936 e tendo passado a vida lutar pela liberdade de expressão e contra o medo, estou farto de pulsões e tiques autoritários, assim como de aqueles que não têm dúvidas, nunca se enganam, e pensam que podem tudo contra todos.

O Governo redefiniu a reforma da educação como uma prioridade estratégica. Mas como reformar a educação, sem ou contra os professores? Em meu entender, não é possível passar do laxismo anterior a um excesso de burocracia conjugada com facilitismo. Governar para as estatísticas não é reformar. A falta da exigência da Escola Pública põe em causa a igualdade de oportunidades. Por outro lado, tudo se discute menos o essencial: os programas e os conteúdos do ensino. A Escola Pública e as Universidades têm de formar cidadãos e não apenas quadros para as necessidades empresariais. No momento em que começa a assistir-se no mundo a uma mudança de paradigma, esta é a questão essencial. É preciso apostar na qualificação como um recurso estratégico na economia do conhecimento, através da aquisição de níveis de preparação e competências alargados e diversificados. Não é possível avançar na democratização e na qualificação do sistema escolar se não se valorizar a Escola Pública, o enraizamento local de cada escola, a participação de todos os interessados na sua administração, a autonomia e responsabilidade de cada escola na aplicação do currículo nacional, a educação dos adultos, a autonomia das universidades e politécnicos.

Não aceito a tentativa de secundarizar e diminuir o papel do Estado no desenvolvimento educacional do nosso país. Sou a favor da gestão democrática das escolas, com participação dos professores, dos estudantes, dos pais, das autarquias. Defendo um forte financiamento público e um razoável valor de propinas, no ensino superior, acompanhado de apoio social correctivo sempre que necessário. E sou a favor do aumento da escolaridade obrigatória para doze anos. Devem ser criadas condições universais de acesso à escolaridade obrigatória, nomeadamente através de transporte público gratuito e fornecimento de alimentação. O abandono escolar precoce deve ser combatido nas suas causas sociais, culturais e materiais.

Não se pode reformar a educação tapando os ouvidos aos protestos e às críticas. É preciso saber ouvir e dialogar. É preciso perceber que, mesmo que se tenha uma parte da razão, não é possível ter a razão toda contra tudo e contra todos. Tal não é possível em Democracia.

1 comentário:

Anónimo disse...

Carta aberta a Manuel Alegre,
Obrigada, muito obrigada por falar por nós, a quem ninguém ouve. Sou professora por paixão, vivo para aqueles momentos em que, numa aula acontece "magia". Não me importo que assistam às minhas aulas, embora hoje em dia pareçam, por vezes, campos de uma batalha inglória...não me importo que me ensinem a ser cada vez melhor, que me mostrem caminhos que, só, nunca teria descoberto, mas importo-me e muito, e não posso aceitar de forma alguma, que me avaliem por umas percentagens absurdas e perversas que não atestam nem promovem a qualidade educativa!
Não posso aceitat ser avaliado pelos resultados dos alunos no ano anterior, nem pelos resultados noutras disciplinas ou noutras turmas, entende?
Estará alguém convicto que o nível do saber dos alunos e o nível de complexidade das aprendizagens são estáticos e universais? Existirá alguém assim tão ingénuo?
Só posso responder pelas aprendizagens, ou melhor, pelas competências efectivamente adquiridas pelos meus alunos, desde a avaliação de diagnóstico no início do ano e a avaliação aferida no final do ano. Aí sim, se eles não tiverem sucesso, terei contas a prestar ou fundamentação a apresentar.
E que me diz sobre sermos penalizados pelo abandono escolar? O abandono escolar,na maioria dos casos, prende-se com questões sociais e de desagregação familiar...e eu não posso ser professora e, simultaneamente, assistente social, pois não? Ai se eu pudesse mudar o mundo e dar, a todas as crianças, as condições que elas necessitam para entrar na escola com expectativas e ambições...
E se eu adoecer, serei penalizada, também, apesar do meu Estatuto prever a equiparação dessas faltas a serviço lectivo!
Por favor, não se cale, fale por nós, por aqueles que ninguém ouve.
Bem haja!